Doença de Alzheimer: a principal causa de demência no mundo

Doença de Alzheimer: a principal causa de demência no mundo

Comumente confundidas pelo público leigo e tidas até, erroneamente, como sinônimos, demência e Doença de Alzheimer (DA) estão intrinsecamente ligadas: sendo a demência um conceito mais amplo – trata-se de uma síndrome clínica causada pela deterioração da cognição, comprometendo a funcionalidade do paciente –, ela carrega em seu bojo a Doença de Alzheimer (DA), que consiste em sua principal causa.

Propomos, neste texto, uma visão geral sobre essa doença, da causa ao tratamento, frisando o considerável impacto da DA na vida da população – especialmente mais idosa – e sua constituição como um grave problema de saúde pública.

Caracterizando a DA

A Doença de Alzheimer é caracterizada, histopatologicamente (observando o cérebro macro e microscopicamente), pela significativa perda sináptica e morte neuronal nas regiões responsáveis de funções cognitivas, como o hipocampo e o neocórtex cerebral. Logo, como se vê, a DA incide diretamente sobre a cognição, comprometendo progressivamente as suas funções.

A causa dos danos provocados pela DA se relaciona com diferentes hipóteses que são objeto de estudos até hoje. A clivagem proteolítica (quebra para metabolização) da proteína precursora amiloide (APP) leva à produção da proteína beta amiloide, que se deposita em forma de depósitos fibrilares (insolúveis) nos neurônios e nas paredes dos vasos sanguíneos do cérebro, quadro observado em pacientes com Alzheimer.

Também se considera a chamada hipótese colinérgica, segundo a qual a simples disfunção do sistema colinérgico pode acarretar os efeitos observados na Doença de Alzheimer. Pacientes com DA mostram degeneração dos neurônios colinérgicos e a consequente redução dos marcadores colinérgicos, que apontam atividade reduzida no córtex cerebral dessas pessoas.

Possíveis causas e fatores de risco

Embora a raiz das possíveis causas da Doença de Alzheimer ainda seja investigada, já se conhecem fatores de risco para a DA, bem como a relevância do aspecto genético no aparecimento da doença: o cromossomo 21, responsável pela produção da proteína beta-amiloide anteriormente citada, também é aquele cuja trissomia provoca a presença da síndrome de Down (SD). Assim, observa-se uma relação entre DA e SD que vem sendo repetidamente comprovada em estudos estatísticos: até 70% dos indivíduos com SD apresenta pelo menos um sintoma de DA, a qual é diagnosticada, ainda, mais cedo do que pacientes sem a síndrome (MOREIRA et al., 2019). Para além da SD, o fator genético de maneira geral também interfere, observando-se que filhos de pacientes com DA possuem mais chances de também desenvolverem a doença, mas essa relação não é absoluta para a maioria dos casos.

Há que se considerar, entretanto, que esse não é o único fator de declínio das funções cognitivas do paciente, sendo a questão multifatorial. Assim, fatores de risco mais amplos, como hipertensão, dislipidemia, diabetes e sedentarismo de forma geral também são considerados como facilitadores ou potencializadores da DA, bem como de outras formas de demência. E aí que está a área em que mais podemos atuar em termos de prevenção.

Partindo de tal abordagem, também podemos elencar situações que interferem na atividade cognitiva e social como fatores de risco: falta de engajamento em atividades intelectuais ou sociais, falta de estímulo à memória e ao raciocínio, isolamento social e depressão são exemplos de fatores a serem considerados como de risco no caso da DA.

Tratamento

Devido à ausência de precisão no entendimento das reais causas da Doença de Alzheimer, os tratamentos específicos atuais ainda não são completamente satisfatórios, sendo responsáveis, na melhor das hipóteses, pelo retardamento da progressão dos sintomas.

O tratamento farmacológico específico mais comum consiste no uso de inibidores da enzima acetilcolinesterase, que, ao inibir tais enzimas que degradam a acetilcolina, alteram a função colinérgica central e a capacidade da de ação  desse neurotransmissor.

Os inibidores atualmente aceitos são a rivastigmina, a donepezila e a galantamina, podendo ser usados nos estágios leve e moderado da DA. A escolha do medicamento a ser utilizado depende do perfil do paciente e da tolerância aos efeitos de cada substância.

Além dos inibidores da acetilcolinesterase, utiliza-se também a memantina, medicamento que ajuda no controle de sintomas comportamentais, indicado nas fases moderada a avançada da DA, reduzindo riscos de hospitalização do paciente.

Vem sendo estudada também a área dos chamados anticorpos monoclonais – até o momento, lecanemabe e donanemabe –, cuja avaliação de riscos e efeitos colaterais ainda está em curso, mas que representa esperança no desenvolvimento de novas opções terapêuticas para uso nas fases iniciais da DA.

Há que se observar ainda o chamado tratamento sintomático, ou seja, aquele que age sobre sintomas que, muitas vezes, aparecem concomitantemente à DA, sejam como seus efeitos ou potencializadores: depressão, ansiedade, alucinações, etc. Cada caso deve ser avaliado especificamente e o tratamento pode envolver antidepressivos, antipsicóticos, entre outros medicamentos.

Por fim, vale ressaltar a relevância do tratamento não medicamentoso, considerando uma abordagem multidisciplinar que vá de encontro à multifatorialidade da DA. Pacientes com Doença de Alzheimer apresentam progressiva piora em funções não apenas cognitivas, mas também na fala, deglutição e locomoção, entre outras. Assim, a presença de profissionais como fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo e terapeuta ocupacional é de grande importância no acompanhamento dos pacientes.

Complementando tal perspectiva não medicamentosa, há a necessidade de estimular o paciente a se manter mental e fisicamente ativo: praticar atividades físicas regularmente e estimular a cognição por meio da leitura e atividades como sudoku, palavras cruzadas, etc. Além de ajudar a possivelmente retardar a deterioração das funções cognitivas, tais atividades também permitem que se observe a evolução do quadro (quando o paciente começa a perder a capacidade de realizar atividades intelectuais que até então praticava).

A única ressalva com atividades cognitivas é respeitar as limitações do paciente: estimulá-lo a realizar jogos e desafios que ele não consegue compreender ou resolver pode se tornar um fator estressor, causador de irritação e ansiedade, o que prejudica a sua qualidade de vida e não colabora no retardamento dos efeitos da doença.

O peso da DA na saúde pública

Impactando não só os próprios pacientes, mas também os seus familiares e o próprio sistema de saúde – que, além da própria doença, têm de lidar com seus efeitos associados, como a depressão, a ocorrência de intercorrências com os pacientes em estágios avançados, etc. –, fica claro que a Doença de Alzheimer é uma questão de saúde pública global.

Segundo o Ministério da Saúde (2022), cerca de 2 milhões de brasileiros vivem com alguma forma de demência – sendo, como já vimos, a Doença de Alzheimer a mais prevalente nesse universo –, porém aproximadamente 70% delas nunca receberam tal diagnóstico.

A alarmante subnotificação que vemos é deletéria tanto para os pacientes – que, sem diagnóstico, não recebem o tratamento adequado e veem a patologia evoluir mais rapidamente – quanto para o próprio sistema de saúde, que acaba por enfrentar consequências diretas e indiretas da DA em maior volume.

 

Com efeito, a Federação Brasileira de Associações de Alzheimer (Febraz) estima em R$ 97 milhões o gasto anual com o tratamento da demência em 2022, sendo que, entretanto, 73% desse montante é gasto pelas famílias dos pacientes, demonstrando a incapacidade dos sistemas público e privado de saúde de oferecer atendimento efetivo a essa população. A Febraz aponta dados que referendam tal noção, como, por exemplo, a última posição do Brasil num estudo de 2020 que investigou a capacidade de resposta à demência pelos sistemas de saúde de 30 cidades ao redor do globo.

A solução de um problema tão grave passa por uma revisão e aplicação de políticas públicas na área da demência – com foco específico e necessário na Doença de Alzheimer –, como a implementação de instituições de longa permanência e centros-dia em todo o país, o esforço e método na obtenção de estatísticas mais precisas, o treinamento específico de profissionais de saúde, a conscientização da população sobre o tema e a preparação do sistema de saúde para uma maior demanda advinda dos efeitos da DA.

Os desafios – da pesquisa ao tratamento – apresentados pela Doença de Alzheimer são grandes, mas, hoje, já é possível, em condições favoráveis, garantir qualidade de vida digna aos pacientes quase que indefinidamente.

Médico pela Universidade Federal da Bahia; Neurologista pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP-SP); Especialista em Neurologia Cognitiva e do Comportamento pela USP-SP e Preceptor da Residência de Neurologia da USP em 2022

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